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A Reforma Universitária é uma Necessidade Social

11/03/2005

Wanda Gomes Siqueira*

O anteprojeto de reforma universitária está gerando reações dos empresários do setor privado de ensino ao ponto de firmarem um documentos qualificando o projeto de intervencionista e de inoportuno. 

O Ministro da Educação Tarso Genro tem razão quando afirma que as críticas ao anteprojeto de reforma universitária ocultam interesses contrariados de quem não quer transparência nas instituições. 

Há que se admitir que o Ministro da Educação está certo na sua avaliação e, mais do que isso, está sendo extremamente corajoso ao enfrentar a ira dos empresários do ensino que, sem qualquer escrúpulo, transformaram os estabelecimentos de ensino em empresas lucrativas ? a maioria isenta de pagamentos de impostos. 

O principal argumento dos representantes do setor privado e de setores acadêmicos da Universidade de São Paulo é de que a proposta do ministério tende a desqualificar o conhecimento e empresta um viés assistencialista. 

Diante da deliberada distorção desse falso argumento cabe aos estudantes brasileiros demonstrar que a reforma é uma necessidade social que tem por objetivo corrigir distorções e privilégios existentes no ensino superior, sob pena de serem co-responsáveis pela prática de ilegalidades e abusos que se repetem e agravam, sem que os responsáveis sejam penalizados.

O Ministro do STF Nelson Jobim revelou há bem pouco tempo que o artigo 207 da Constituição Federal que garantiu a autonomia universitária foi enxertado na Constituição, mesmo assim há os que justificam e aceitam os abusos praticados com base nesse artigo 

Quando o Ministro Nelson Jobim afirmou que o artigo 207 foi incluído na Carta sem nenhuma votação, no momento de o texto ir à gráfica, depois de encerrado o trabalho da Comissão de Redação, já na fase final dos trabalhos da Constituinte, houve uma desmesurada reação dos que acreditam serem ?donos? das universidade privadas e públicas, a exemplo da reação manifestada recentemente contra o anteprojeto de reforma universitária do MEC. 

Não há dúvida, portanto, que existem interesses econômicos, políticos e sociais de uma elite que pretende impedir a reforma universitária para manter privilégios que repugnam o bom senso daqueles que lutam pelo acesso e permanência dos estudantes no ensino superior gratuito. 

A sociedade precisa posicionar-se a favor da aprovação do anteprojeto de reforma para que a universidade brasileira cumpra seu papel institucional de formar cidadãos comprometidos com a justiça social e, especialmente, deixe de ser elitista, autoritária e mercantilista. 

Convém lembrar que neste início de ano letivo milhares de jovens tiveram de abandonar o curso superior por encontrarem-se em situação de inadimplência frente aos estabelecimentos particulares de ensino e milhares de outros foram reprovados nos vestibulares nas universidades públicas, não porque não tenham capacitação para tanto, mas porque o sistema de seleção privilegia os alunos oriundos de escolas particulares. 

A reforma universitária é medida que se impõe se quisermos formar profissionais comprometidos com as reais necessidades de milhões de brasileiros que não têm assegurado os direitos sociais ínsitos na Carta Magna.    

No amplo cenário de contradições e críticas sobre o anteprojeto da reforma universitária se destacam interesses de representantes do setor privado de ensino que se opõem a proposta do Ministério da Educação ao argumento de que as organizações sociais querem ditar os rumos da universidade. 

Os que assim pensam olvidam-se que a criação dos Conselhos Universitários tem por objetivo fazer com que a universidade oportunize igualdade de condições aos estudantes e permanência nos bancos escolares, o pluralismo de idéias, a valorização dos profissionais de ensino, a gestão democrática e garantia de padrão de qualidade de ensino. 

Outros setores, especialmente, das universidades particulares, com fins lucrativos, se opõem ao limite de 30% de capital estrangeiro nas mantenedoras ao argumento de que seria impeditivo para que boas universidades entrem no país. 

Os que assim pensam olvidam-se que a universidade, seja ela privada ou particular, tem de estar vinculada e comprometida com projetos que aproximem a universidade dos anseios sociais rigorosamente de acordo com os princípios constitucionais. 

Há, ainda, os que se opõem a eleição para reitores e vice-reitores a serem eleitos diretamente pela comunidade acadêmica ao argumento de que o projeto desprestigia o mérito para definição do reitor. 

Os que assim pensam, olvidam-se que há reitores de universidade particulares que se perpetuam no poder e se consideram os donos da universidade, olvidam-se que há reitores que não cumprem decisões judiciais, que há reitores que instauram processos administrativos disciplinares para coibir manifestações estudantis que reivindicam melhoria na qualidade de ensino e redução do abusivo valor das mensalidades escolares. 

O espírito do projeto do MEC é fazer com que as universidades cumpram a função social e que estão obrigadas por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da Constituição Federal. 

Falar em função social da universidade, significa formar profissionais capazes de enfrentar e solucionar os graves problemas que afligem a sociedade e envergonham o Brasil no cenário mundial.    
Nenhum país desenvolvido prescinde hoje da existência e fortalecimento da universidade que desempenhe o papel de gestora, produtora e distribuidora de conhecimento, ciência e tecnologia, todavia, em nosso país todos os indicadores de qualidade e de democratização da universidade revelam que a qualidade da pesquisa e da formação científica e profissional na educação superior necessita de melhoria nas condições materiais (espaços, laboratórios, bibliotecas, etc.) e humanas (docentes, com mestrado e doutorado, com dedicação exclusiva), condições essas que somente serão alcançadas com a reforma universitária. 

Sem dúvida alguma, não será a educação superior privada, com fins lucrativos e dependente do poder aquisitivo de sua clientela que contribuirá para a melhoria da qualidade do ensino e tampouco será a educação superior pública, com seus descaminhos e sem o controle do MEC, que garantirão a expansão e a possibilidade de construir uma universidade autônoma, com alto grau de excelência acadêmico-científica, com redução da evasão do corpo discente, o fim do regime do de professor horista/aulista. 

Diante dessas reflexões não surpreende que no momento em que o anteprojeto está para ser votado e aprovado, quando tudo parece assentado sob o ponto de vista do Direito e da Justiça levantem-se vozes dos poderosos, de todos os recantos do país para destoar da orquestra daqueles que querem e anseiam por uma reforma universitária capaz de formar cidadãos aptos a enfrentar e superar os desafios sociais que afligem milhões de brasileiros. 

* Advogada

PUBLICADO NO DIÁRIO DA MANHÃ DE PELOTAS DE 01 E 11/03/2005

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