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O Processo Administrativo Disciplinar e sua Especificidade

05/12/2004

Wanda Marisa Gomes Siqueira*

O Direito Administrativo Disciplinar contém uma processualidade específica. A matéria é instigante porque necessariamente os estudiosos do tema precisam ter conhecimento de questões inerentes a portaria, a sindicância, de processo disciplinar, de infrações, de penalidades, de termo de indiciamento, de interrogatório, de excludentes de criminalidade, de defesa prévia, de reconsideração e recurso de revisão. 

Sendo assim, os meios utilizados para apurar irregularidades de servidores públicos, civis e militares devem ter rigor científico, sob pena de serem violados direitos e garantias individuais.O Estado, como pessoa jurídica de Direito Público, tem o dever de zelar pela preservação da coisa pública, representada por tudo aquilo que jurídica e legalmente integra o patrimônio da administração. Ocorre, que no afã de apurar irregularidades, os agentes públicos, como titulares dessa responsabilidade, ao constatarem indícios de faltas de natureza funcional, muitas vezes dão início ao processo disciplinar sem observar, dentre outros, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da ampla defesa, da segurança jurídica, da motivação, do contraditório, do interesse público e até de padrões éticos de probidade e decoro. 

Convém lembrar que nos Processos Administrativos Disciplinares o indiciado deve ter extrema cautela para não ser cerceado em seu direito à ampla defesa e, via de conseqüência, sofrer penalidades ilegais (não raramente a demissão do cargo a bem do serviço público) sem que a falta disciplinar justifique a aplicação da pena capital, dentre outras. 

Os membros da Comissão Processante nem sempre estão aptos para agir com eficiência, impessoalidade e moralidade na condução dos processos administrativos porque precisariam ter conhecimento de muitas áreas do Direito: Constitucional, Administrativo, Processual, Penal, dos Estatutos Funcionais, das Leis Orgânicas, e estarem atentos aos princípios da boa-fé, da segurança das relações jurídicas e relativização do princípio da legalidade. 

Diante de tamanha complexidade e especificidade são praticados atos ilegais e inconstitucionais, alguns por falta de preparo técnico, outros à sombra do poder discricionário. 

É notório que alguns administradores utilizam o processo disciplinar com a deliberada intenção de punir seus servidores para dar aparência de moralidade e eficiência administrativa, exacerbando a penalidade cabível, sem considerar que nas cominações das penas, quer principais, quer acessórias devem ser sopesados os motivos determinantes da infração, os antecedentes do servidor e, por fim, a intensidade do dolo e o grau da culpa. Neste contexto, o servidor, sabendo que o Poder Público não procede necessariamente de forma confiável na relação com os administrados, deve conhecer a acusação que lhe pesa para fazer prova de sua inocência ou da menor intensidade da imputação como forma de evitar que se consumem atos lesivos ao seu direito. 

É de lamentar que mesmo após o advento da Constituição-Cidadã ainda existam membros de Comissões Processantes que orientem os servidores indiciados a comparecerem sem advogado durante o interrogatório e nas audiências para oitiva das testemunhas ao argumento de que o processo é mera formalidade e que a presença do advogado é facultativa e até prejudicial. 

O servidor inocente e de boa-fé acaba seguindo a orientação da Comissão Processante, prestando depoimento muitas vezes sob pressão, respondendo perguntas sugestivas ou capciosas, assistindo depoimentos de inimigos capitais ouvidos como testemunhas e, quando menos espera vê seu nome publicado no Diário Oficial com uma penalidade desproporcional à falta praticada. 

Nesses casos, o indiciado somente teve assegurado o direito de constituir advogado para apresentar as alegações finais - esse procedimento, além de condenável é absolutamente ilegal porque a presença do advogado é imprescindível nos Processos Administrativos Disciplinares ? a tutela jurídica desse direito é dever do Estado, seja o Estado-Juiz, o Estado-Administrador ou Estado- Legislador (art. 5º, LV, CF). Quando isso ocorre, resta ao servidor recorrer ao Poder Judiciário para pleitear a nulidade do ato administrativo, que nem sempre é possível porque o poder discricionário, equivocadamente, tem ainda muito peso nas decisões judiciais, mesmo que se saiba que qualquer ato discricionário que se torne lesivo aos princípios constitucionais podem e devem ser anulados - não para tolher o administrador, mas para coibir a impunidade de manifesto desvio de poder. Nessas situações é difícil caracterizar cerceamento de defesa e desvio de poder porque a Comissão Processante agiu com a deliberada intenção de dar aparência de legalidade aos seus atos, conduzindo o processo a seu bel-prazer para, a final, fornecer no relatório os elementos necessários para a aplicação da penalidade previamente encomendada pelos superiores hierárquicos do indiciado. 

É notória a prática de desvio de poder no âmbito da administração pública em nosso país, razão pela qual o controle de seus atos há de se operar com rigorismo científico para evitar que o mérito se confunda com o arbítrio. 
Nessas circunstâncias as especificidades do Processo Administrativo Disciplinar representam um desafio fecundo e rico para juízes e advogados como forma de assegurar o cumprimento dos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, consubstanciados na Constituição Federal.


* Avogada

publicado no Jornal Diário da Manhã, Pelotas, em 05 dezembro de 200

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