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Direito dos estudantes e a prestação jurisdicional

15/02/2003

Wanda Marisa Gomes Siqueira*

Os estudantes brasileiros vêm sendo maltratados pela administração pública, em especial os de nível universitário.

O Ministério da Educação tem agido com negligência na organização do ensino superior e o Conselho Nacional de Educação está comprometido com os empresários do ensino.

Diante do caos administrativo e do emaranhado de leis, decretos, portarias, resoluções e medidas provisórias na área da educação, resta aos estudantes buscarem a tutela jurisdicional para protegerem seus direitos constitucionais lesados - a prática tem demonstrado que a postulação via administrativa é uma tentativa quase inútil, permeada por burocracias intermináveis.

É de registrar, com pesar até, que nem sempre as liminares pleiteadas pelos estudantes são deferidas com a urgência necessária. Seja porque o legislador dispensou tratamento privilegiado ao Estado e às autarquias pela regalia do artigo 188 do Código de Processo Civil(que estabelece o prazo em quádruplo para contestar - 60 dias - e em dobro para recorrer - 30 dias), seja porque, no imaginário coletivo, os estudantes nunca têm razão.

Os instrumentos legais mais utilizados na defesa dos direito dos estudantes têm sido o mandado de segurança, as medidas cautelares e as ações ordinárias com pedido de antecipação de tutela – nem sempre tão eficazes quanto os habeas corpus.

Se a aplicação do direito para controle dos poderes públicos encontra respaldo em vários dispositivos da Constituição Federal - figurando no rol dos Princípios Fundamentais, dos Direitos e Garantias Fundamentais e da Ordem Social onde está expresso, por exemplo, que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" -, nem sempre encontra igual acolhida no Poder Judiciário.

A Constituição Cidadã, portanto, aassegura aos estudantes brasileiros a proteção jurisdicional sempre que houver qualquer ameaça ou lesão aos seus direitos. Com o advento da Constituição de 1988, e as recentes alterações no Código de Processo Civil, não é mais necessário que exista lesão - basta apenas vislumbrar-se ameaça para que o Poder Judiciário esteja autorizado a conceder medida liminar ou antecipação de tutela para proteger o direito ameaçado colocado sob sua jurisdição.

Sendo assim, o princípio regente é o da inafastabilidade do controle jurisdicional do ato ilegal ou eivado de abuso de poder praticado pelas autoridades administrativas contra qualquer estudante.

Como a segurança jurídica e a proteção dos cidadãos estão elencadas nos mandamentos do Estado Democrático de Direito, naturalmente há uma grande expectativa daqueles que buscam o Poder Judiciário para proteger um direito ameaçado - se a expectativa é grande, é também grande a frustração quando há atraso na prestação jurisdicional.

Nos casos em que as liminares não são imediatamente deferidas há um agravamento da injustiça e do prejuízo, porque, enquanto o advogado interpõe os recursos cabíveis (agravo de instrumento, agravo regimental, recurso especial ...), o estudante perde aulas, perde provas e muitas vezes corre o risco de perder até a vaga no estabelecimento de ensino.

Em decisões recentes, o Superior Tribunal de Justiça vem registrando o esforço do Estado em retardar o bom andamento da Justiça, enquadrando-o como litigante de má-fé. Mesmo assim, tanto o Estado quanto as autarquias, lamentalvelmente, jamais reconhecem seus desacertos, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, insistindo na interposição de recursos protelatórios, contribuindo para abarrotar de processos e de trabalho o Superior Tribunal de Justiça, os tribunais estaduais e os Tribunais Regionais Federais, prestando um desserviço ao ideal de justiça rápida e célere.

A Constituição Federal assegura o respeito, a integridade física e moral, veda penas cruéis à pessoa do condenado e assegura o direito à liberdade de locomoção através do habeas corpus, assim como assegura aos estudantes proteção contra atos de abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público através do mandado de segurança. Todavia, por paradoxal que possa parecer, a via mandamental não sensibiliza o Poder Judiciário nas causas estudantis – é doloroso pensar que no Brasil é melhor ter a condição de apenado do que de estudante.

Essa constatação leva a questionar a eficácia do mandado de segurança, se comparada à eficácia do habeas corpus. É fato notório que, nos últimos anos, vem aumentando o abuso de parte das autoridades administrativas contra os estudantes, como é sabido também que está aumentando, na mesma proporção, a criminalidade – ambas decorrentes da desigualdade social.

Nessa linha de raciocínio, convém destacar que, quando é utilizado o habeas corpus, o Poder Judiciário age com celeridade, a qualquer hora do dia ou da noite. Em contrapartida, com relação ao mandado de segurança, embora devesse ser apreciado com a mesma celeridade, na prática isso não ocorre.

Os direitos dos estudantes - tais como o de obter matrícula, de realizar e revisar provas, de quebrar pré-requisito, de abonar faltas por motivo de doença ou força maior, de trancar matrícula, de se transferir com aproveitamento dos créditos cursados, de concluir o curso sem alteração curricular -, que se encerram dentro dos direitos fundamentais do cidadão, não podem ser questionados na estreita via mandamental da forma como ela está sendo interpretada no Poder Judiciário, e, assim, resta concluir que o habeas corpus é o mais eficiente remédio jurídico contra abuso de poder.

Como solução para essa grave realidade, que privilegia o habeas corpus em detrimento do mandado de segurança, é de esperar que o Poder Judiciário no trato de questões tão relevantes – como o direito de estudar - seja célere na prestação jurisdicional. Todavia, é de esperar, também, que as lideranças estudantis não se curvem ao arbítrio dos poderosos e expressem a indignação dos estudantes brasileiros frente aos poderes públicos, espelhando-se no exemplo das lideranças estudantis do passado. 

*Advogada
Fevereiro de 2003

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